Diversidade no prato: como geografia, cultura e clima moldam a segurança alimentar na Amazônia

Diversidade no prato: como geografia, cultura e clima moldam a segurança alimentar na Amazônia

Apesar da riqueza e variedade de alimentos, o Brasil ainda enfrenta problemas relacionados à insegurança alimentar. Na Amazônia, estados como Pará, Amazonas e Amapá apresentam índices de saúde preocupantes ligados à alimentação. Mesmo em regiões próximas a florestas e rios, é comum encontrar crianças desnutridas e idosos obesos. A extensão territorial, as mudanças climáticas e questões socioculturais, como a perda de saberes tradicionais ou a falta de condições financeiras, criam barreiras que afetam diretamente o acesso a alimentos de qualidade.

Segundo Josiana Kely Moreira, docente de Nutrição da Estácio, falar sobre segurança alimentar no contexto amazônico possui um significado delicado e importante. “A nossa região é caracterizada por grandes distâncias, seja por meio terrestre ou aquático, e as comunidades ribeirinhas enfrentam muita dificuldade para acessar alimentos de qualidade. As comunidades e famílias deveriam ter acesso contínuo e suficiente a alimentos nutritivos e culturalmente apropriados, capazes de atender às suas necessidades energéticas e nutricionais diárias, desde a infância até a fase idosa, sem comprometer a saúde”, explica a especialista.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), a Região Norte tem apresentado retrocessos nos últimos dez anos, com números alarmantes de insegurança alimentar moderada e grave. Em Manaus, por exemplo, a obesidade e o sobrepeso estão entre os mais elevados do país, enquanto o Pará apresenta índices preocupantes de desnutrição infantil em regiões como Marajó e Carajás.

“Se você tem uma desnutrição ou deficiência alimentar prolongada, você pode ficar mais propício a infecções, uma vez que o sistema imunológico fica comprometido. Você pode ter má digestão, problemas como diarréias, constipação, gastrite, perda de peso, refluxo, obesidade. Dependendo do tipo de alimento que você vai consumir, você pode ter aumento em infiltração gordurosa hepática, ou seja, no fígado, e as próprias consequências mais graves da obesidade, como diabetes, hipertensão arterial, entre outros”, detalha Fabio Sales, docente do IDOMED e cirurgião geral que atua em gastroenterologia. 

Além de fatores logísticos, como distâncias e infraestrutura, as mudanças climáticas também dificultam a disponibilidade e a diversidade de alimentos. “Eventos extremos como secas, enchentes e queimadas podem afetar a qualidade da água, aumentar a proliferação de doenças e prejudicar a produção e distribuição de alimentos, tornando-os mais caros. Isso exige medidas de adaptação, melhorias em higiene e políticas de conservação”, afirma Josiana.

Alimentos típicos como açaí, castanha-do-Pará e mandioca são aliados importantes na composição dos pratos e dietas na Região Norte, por serem fontes de fibras, gorduras saudáveis, vitaminas e minerais essenciais para a nutrição. Na ausência desses e outros alimentos saudáveis, a qualidade de vida de uma pessoa pode sofrer graves impactos, conforme ressalta o médico Fabio Sales.

“Eu vou citar aqui a importância de apenas 3 vitaminas. Carência de ferro vai causar anemia e outras doenças. No caso de deficiência de zinco, há diarréia, dificuldade de cicatrização e irritabilidade na mucosa gástrica. Já no caso da falta de vitamina A, o paciente pode apresentar doenças visuais, queda de cabelo, fraqueza muscular, síndromes disabsortivas, doenças hepáticas, e por aí vai”, afirma ele. 

Diante do aumento da concentração de tecnologia, desafios sociais e do consumo crescente de alimentos industrializados, uma alternativa para enfrentar a insegurança alimentar é valorizar os alimentos típicos da Amazônia e as práticas da agricultura familiar, que também preservam saberes tradicionais. Para Josiana, a agricultura familiar permite a produção de alimentos diversificados, acesso a mercados locais, adaptação e resiliência ao combinar práticas tradicionais com técnicas modernas, além de conservar a biodiversidade e gerar renda para as famílias, fortalecendo as comunidades.

Mais do que vencer distâncias ou contornar impactos ambientais, garantir a segurança alimentar na Amazônia significa manter viva a cultura alimentar da região e fortalecer iniciativas que aproximem a população dos recursos da floresta. “É muito importante que o trabalho seja feito em conjunto com a comunidade, principalmente no ensino de hábitos alimentares na família e na escola, criando padrões duradouros e conscientes de alimentação saudável e fortalecendo o acesso a alimentos variados e nutritivos”, conclui a docente.

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