OMS propõe aumento de 50% em preços de produtos nocivos à saúde: especialistas avaliam impactos
A proposta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de aumentar em 50% os preços de bebidas açucaradas, álcool e tabaco nos próximos dez anos, por meio de impostos, reacendeu debates sobre saúde pública e economia. A medida, anunciada no dia 3 de julho, pretende conter o avanço de doenças crônicas não transmissíveis e reforçar os orçamentos de saúde, com a estimativa de evitar 50 milhões de mortes prematuras em meio século. Especialistas analisam os possíveis desdobramentos da iniciativa, que pela primeira vez estabelece metas simultâneas para os três grupos e já prevê a inclusão de alimentos ultraprocessados.
O cardiologista e professor do Idomed, Herbert Mendes, alerta para os graves riscos à saúde associados ao consumo regular de bebidas açucaradas, álcool e tabaco. Essas substâncias estão ligadas ao aumento da obesidade, diabetes, hipertensão arterial e, em consequência, a doenças cardiovasculares como infarto, AVC e insuficiência cardíaca. As bebidas açucaradas são fontes de “calorias vazias” e favorecem o ganho de peso e o desenvolvimento de diabetes. O álcool é tóxico ao coração, eleva a pressão arterial e está relacionado a quadros de cardiotoxicidade, infarto e AVC. Já o fumo é considerado um agente altamente nocivo, que também eleva a pressão e aumenta o risco de infarto, AVC e doenças graves, aumentando o risco de mortalidade.
Herbert destaca que mesmo pessoas jovens que fumam correm mais risco de sofrer infarto ou AVC. Estudos já comprovam que a redução do tabagismo nessa faixa etária impacta diretamente a saúde. “Não faz sentido dizer que o cigarro só faz mal a longo prazo. Já existem evidências de que o risco cardiovascular entre os jovens aumenta desde cedo”, afirma o especialista. Além dos danos físicos, o médico explica que essas substâncias são frequentemente usadas como válvula de escape por pessoas em sofrimento emocional ou socialmente isoladas. “A busca por alívio imediato e sensações de prazer leva ao consumo excessivo, o que aumenta as chances de vício e, consequentemente, de complicações graves à saúde”, conclui.
Como a medida pode impactar a economia?
Para Franz Pettuceli, economista e professor da Wyden, o principal efeito da medida será a transformação do perfil de consumo e a readequação da indústria, mais do que uma arrecadação expressiva. “Não acredito que haja uma tributação de um trilhão de dólares. O que vamos ter é uma migração de produtos danosos para uma nova onda de produtos mais saudáveis”, explica.
Segundo ele, o aumento de preços tem foco na preservação da saúde e na redução dos gastos públicos. A expectativa é que a indústria se adapte, oferecendo alternativas mais saudáveis até mesmo para a população de baixa renda. Pettuceli compara a proposta às restrições ao cigarro nas décadas passadas e prevê uma “nova onda fit”, com a geração futura se adaptando a novos padrões. Para ele, a inclusão dos ultraprocessados nessa lógica pode promover uma mudança cultural na alimentação, resgatando formas de produção mais saudáveis.
Embora admita que o aumento de impostos pode gerar alguma dependência fiscal, Pettuceli acredita que o consumo cairá a ponto de forçar a indústria a mudar. Ele também minimiza o risco de contrabando, apostando na força do mercado legal ao se adaptar à nova realidade.
Já o professor de economia Hugo Meza, da Estácio, reconhece os potenciais benefícios da política, mas chama atenção para os efeitos regressivos. Ele explica que os mais pobres, por destinarem uma parte maior da renda a esses produtos, serão mais afetados pelos impostos.
“Para minimizar o impacto desproporcional sobre as populações de baixa renda, algumas medidas podem ser adotadas, como o reinvestimento da receita em programas sociais”, sugere.
Meza também aborda o conceito de elasticidade-preço da demanda, lembrando que o consumo tende a ser inelástico no curto prazo, ou seja, mesmo com o aumento dos preços, muitos continuam comprando. Para ele, o sucesso da medida depende da adesão global e do uso eficiente da receita, especialmente em ações de saúde pública e desenvolvimento sustentável.
Outro ponto destacado por Meza é o risco de contrabando e produção ilícita, que pode crescer com os aumentos de preços. “É crucial investir em medidas de combate ao contrabando para garantir a eficácia da política e a arrecadação”, alerta. Ele também vê a inclusão de ultraprocessados como viável, embora mais complexa, e observa experiências bem-sucedidas em outros países, especialmente com o tabaco.
Apesar das diferenças, ambos os especialistas concordam que o foco principal da proposta da OMS é a saúde pública, e que a indústria terá que se reinventar para atender à nova demanda. Também compartilham da visão de que o comportamento do consumidor tende a mudar ao longo do tempo, assim como ocorreu com a queda do tabagismo.
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